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domingo, 22 de agosto de 2010

Raul Seixas

O eterno maluco beleza

Nascido em Salvador, em 28 de junho de 1945, Raulzito cresceu cercado de livros e, ainda adolescente, foi embalado, simultaneamente, pelos xotes e baiões (particularmente de Luis Gonzaga) e o rock de Elvis Presley, Little Richard e Chuck Berry.

Conhecido como “maluco” desde a adolescência (principalmente por andar pelas ruas da cidade com trajes e penteado inspirados e seus ídolos norte-americanos), Raul formou sua primeira banda, “Os Relâmpagos do Rock”, em 1962. Transformada em “Raulzito e Os Panteras”, a banda gravou seu primeiro disco em 1964. Diante de um considerável fracasso, Raul transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde, a partir de 1970, atuou como produtor dos ídolos da Jovem Guarda, como Jerry Adriani, Trio Ternura e Renato e seus Blue Caps.

O primeiro sucesso veio em 1972, quando a música “Let me sing, let me sing” – uma mistura de rock com baião, que Raulzito interpretou travestido de Elvis Presley – ficou entre as classificadas no VII Festival Internacional da Canção.

Foi no ano seguinte, no entanto, com o lançamento do primeiro disco solo, “Krig-ha, bandolo!” (título inspirado no grito de guerra de Tarzan: “cuidado, aí vem o inimigo”), que Raulzito começou a deixar sua marca na história da música brasileira, com “Metamorfose Ambulante”, “Al Capone” e “Ouro de Tolo”.

Músicas que, com suas letras cheias de referências autobiográficas (cada vez mais marcadas por uma espécie de esoterismo anárquico) e, ao mesmo tempo, recheadas de críticas à sociedade, fizeram de Raul o amalucado porta-voz de um setor da sociedade que buscava alternativas diante da repressão ditatorial, do consumismo capitalista e da mediocrização do ser humano.

Viva a sociedade alternativa!
Essa busca ganhou verdadeiros “hinos” em 1974, com o lançamento do disco “Gita”. Além da música-título e das belíssimas “Medo da Chuva” e “Trem das Sete”, o disco trazia a deliciosamente anárquica “Sociedade Alternativa”, que transformou-se em sucesso imediato entre a juventude.

Compostas com o então “alternativo” Paulo Coelho, as músicas de “Gita” mergulhavam fundo no esoterismo inspirado pelo guru inglês Aleister Crowley e faziam parte de um “projeto” de constituição de uma comunidade em que valesse a máxima “Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Uma ousadia que não passou despercebida pela repressão: Raul foi preso e acabou exilando-se nos Estados Unidos.

A volta ao Brasil foi marcada por uma seqüência de discos bem-sucedidos, lançados entre 1975 e 1977, como “Novo Aeon”, “Há 10 Mil Anos Atrás” (o último em parceria com Paulo Coelho), “Raul Rock Seixas” e “O Dia Em Que a Terra Parou”, que, além da música-título, que celebra uma espécie de “greve geral” alimentada por “um sonho de sonhador”, trazia a música que se tornou o verdadeiro sinônimo do artista: “Maluco Beleza”.

Nos anos seguintes, discos como “Mata Virgem” e “Por Quem os Sinos Dobram”, ambos lançados em 1979, ajudaram a consolidar a figura de Raul como um vibrante poeta que, de forma única, sabia versar sobre temas que vão da sensualidade à política, do amor aos fatos do cotidiano.

Cada vez mais celebrado por jovens que, das formas mais distintas, se rebelavam contra a ditadura (seja pela ruptura com os padrões de comportamento, seja pelo engajamento na luta política), Raul respondia à altura, compondo músicas que se transformaram em verdadeiros manifestos de uma época, como “Aluga-se”, que lançada no disco “Abra-te Sésamo” (1980), fazia uma mordaz ironia ao endividamento do país e levava milhões, Brasil afora, a cantar “nós não vamos pagar nada”.

Maluco beleza
Nos anos seguintes, o equilíbrio entre a “maluquez” e a “lucidez” do cantor tornou-se cada vez mais frágil. Vitimado por seu crescente alcoolismo, sua carreira começou a ser cada vez mais marcada por constrangedoras apresentações embriagadas e ausências em shows, que acabavam transformando-se em tumultos.

Com dificuldades em ser aceito pelas gravadoras e boicotado por um enorme setor da mídia, Raul, contudo, continuava fazendo shows antológicos, como as apresentações nos “woodstockianos” festivais de Águas Claras e Iacanga, realizados no interior de São Paulo, entre 1981 e 1984.

Um novo disco, o introspectivo e melancólico “Raul Seixas”, saiu em 1983, mesmo ano em que foi lançado o livro “As aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor”, uma curiosa mescla de anotações biográficas, contos e delirante história em quadrinhos.

Em 1984, Raul lançou “Metrô Linha 743”, cuja música-título, com versos cortantes como “Eu morri e nem sei mesmo qual foi o mês”, denotavam a amargura do cantor. O último grande sucesso veio com “Cowboy Fora-da-Lei”, lançada em 1987 num disco que trazia o impagável título de “Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!”. Os trabalhos seguintes, como “A Pedra do Gênesis” (1988) e “A Panela do Diabo” (lançado em 1989) foram feitos em meio a uma situação de crescente deterioração das condições físicas de Raul, atingido por pancriatite e hepatite crônicas, uma situação que o levou a uma fatal parada cardíaca, em 21 de agosto de 1989.

Autor de frases como “O homem é o único ser que tem o poder de modificar as coisas” e “A desobediência é uma virtude necessária à criatividade”, Raul Seixas foi uma figura inegualável na história de nossa música e, por isso mesmo, continua sempre atual.

Dotado de uma paixão desenfreada pela vida, de capacidade de “metamorfosear-se” permanentemente e de uma (nem sempre) lúcida maluquez, Raulzito não só marcou uma época, como continua a embalar os corações e mentes de todos aqueles que sonham e lutam por uma sociedade alternativa.

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