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terça-feira, 12 de abril de 2011

Artigo

Podiam ser nossos filhos!

Miguel Malheiros, do Rio de Janeiro

Manhã do dia 7 de abril de 2011. O trânsito começa a ficar realmente complicado. As TVs apresentam as imagens das câmeras da CET-Rio e mostram os caminhos menos engarrafados. Nos rádios repórteres aéreos localizam os pontos congestionados. Ouvintes telefonam, opinam. Mais um dia de "normalidade” no caos urbano.

Num repente, a “normalidade” do caos é quebrada. À bala, o sagrado espaço da sala de aula é violado. 12 estudantes, 10 meninas e 2 meninos, tem suas vidas interrompidas pelas balas de dois revólveres do assassino Wellington Menezes de Oliveira. Ele mesmo um jovem: 23 anos. Impactadas, as pessoas se perguntam: Por quê?

Antes de tudo, solidariedade às vítimas e seus familiares. Cada um e cada uma das vítimas tinham irmãos, irmãs, primas e primos, pai, mãe, avós e avôs. Tios e tias. É a dor terrível da quebra da tendência natural da geração mais jovem sobreviver à geração mais velha.

Os bilhetes, flores, cartazes, afixados nos muros da escola mostram a dor e a solidariedade da população. Foram os filhos e filhas da nossa classe, a classe trabalhadora, que tombaram sob as balas assassinas. Neste momento, somos todos pais e mães, estudantes, professores, professoras, funcionários e funcionárias da Escola Municipal Tasso da Silveira. As balas na cabeça de nossos filhos e filhas atingiram nossos corações, e essa também é a nossa dor.

Dez meninas e dois meninos assassinados, chacinados

Wellington Menezes de Oliveira, assassino suicida. 23 anos, vítima de bullying quando estudante, passou pelas cadeiras escolares e seus problemas mentais não foram identificados. Ou não se teve mecanismos para encaminhar seus problemas. Não recebeu nenhum tratamento diferenciado.

O governo Dilma acaba de cortar 50 bilhões do orçamento da União. Continua a velha política de garantir os interesses dos banqueiros daqui e de fora. A política de seguir pagando a dívida pública à custa do resgate da dívida social. Mais de 3 bilhões cortados só na educação. Dilma não está sozinha. Antes dela, Lula, FHC, Itamar, Collor, Sarney, os governos da ditadura... A política de priorizar os interesses dos ricos e poderosos tem suas consequências.

Na prefeitura e no governo do estado, Eduardo Paes e Sergio Cabral privatizam espaços escolares, transferem recursos públicos da educação para a iniciativa privada. Atacam a aposentadoria, mantêm salários rebaixados.

A consequência é escolas fisicamente sucateadas. O ambiente escolar, por essa combinação de diferentes elementos, deixa de ser atrativo, não responde aos anseios dos estudantes que a frequentam, tão pouco aos anseios dos profissionais que a impulsionam.

Hoje o espaço escolar, infelizmente, é palco de diferentes formas de violência. Bullying, brigas violentas, agressões – físicas até – a professores.

Não é que faltem somente professores. As escolas públicas não possuem coordenação pedagógica, faltam psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, médicos, dentistas. Faltam inspetores, porteiros, faltam professores.

Salas de aula lotadas, 30, 35, 40 estudantes em uma turma. Baixos salários obrigando a dobras de vários tipos, obrigando a ter vários empregos. Tudo isso impede qualquer tipo de atendimento mais individualizado por parte dos profissionais da educação.

Hoje uma professora ou um professor, mal consegue identificar nos estudantes problemas visuais ou motores, que dirá problemas mentais. Quando suspeitam do problema não há canais para encaminhar. Na escola não há profissionais capacitados para dar tratamento a estes problemas. Porém, também não estão na rede pública de saúde.

Ou seja, o capitalismo visa o lucro, desumaniza os seres humanos, produz doentes da sociedade, mas tratá-los, se não dá lucro, não será feito. A consequência, hoje, 10 meninas e 2 meninos assassinados, chacinados.

TV's, rádios, revistas, jornais, vídeos-game banalizam a violência. A pobreza e seus dramas inevitáveis são ridicularizados e explorados. O lucro fácil colaborando com a desumanização. Colaborando com a banalização da violência, onde homicídios passam a ser triviais. Ajudam, dessa forma, a abrir caminho para mais violência urbana, agora combinada com doses de fanatismo religioso.

Os mesmos rádios, TV's e jornais que banalizam diariamente a violência uivam por detectores de metal. Clamam por colocar pessoas armadas nas escolas. Lobos escondidos em peles de cordeiros, o que vocês querem realmente é mais controle social sobre a pobreza. Mais contenção social. Já não bastam as grades, os portões de ferro? Nossas escolas se assemelham mais a prisões que a um espaço de construção de seres humanos.

Ninguém viu que Wellington sofria intensamente. Ninguém viu que a família de Wellington estava despedaçada. Ninguém viu que dentro de Wellington a loucura crescia. Ter surgido um Wellington, no Brasil, foi só uma questão de tempo.

Imitação da tragédia, o assassino suicida copiou os ataques às escolas que não são raros nos Estados Unidos. O mais importante país desse sistema econômico em que vivemos, o sistema capitalista.

Wellington, assassino suicida, 23 anos, é fruto desse sistema. Esta é a sociedade onde um punhado de pessoas explora o trabalho de milhões e milhões de seres humanos. É no capitalismo onde o homem é lobo do homem.

Este é o sistema onde os seres humanos são desumanizados. São bestializados. São transformados em monstros. Embrutecidos, alguns se transformam em feras, animais. Sem perspectiva de vida, ou seja, sem perspectivas de realizar-se como seres humanos, o inumano floresce. Desemprego; baixos salários; trabalhos embrutecedores, alienantes. Um mundo onde o ter vale mais que o ser, onde a competição e o individualismo são incentivados, e a solidariedade e a fraternidade são vistas como curiosidades. O resultado é a cada vez maior desumanização. O mais belo do ser humano é esmagado todos os dias.

Este é o sistema, e o caldo de cultura, que geram assassinos suicidas no Rio de Janeiro ou em Columbine, nos EUA. É sintomático que Wellington tenha buscado mulheres, tenha buscado, preferencialmente, meninas para assassinar. Não há capitalismo sem machismo.

Dez meninas e dois meninos assassinados. Entre eles podia estar sua filha, podia ser seu estudante. Não foram poucos os professores a refletir: podia ter sido na minha escola, em minha sala de aula.

Wellington puxou o gatilho, mas não matou sozinho. As 10 meninas e os 2 meninos, cuja juventude foi tão violentamente interrompida, são vítimas do assassino, mas também são vítimas daqueles que lucram com este sistema econômico. São vítimas dos agentes dos ricos e poderosos instalados nas prefeituras, governos estaduais e no governo da União.

A luta pelo resgate da dívida social, contra o corte de verbas – que em última instância engorda o bolso dos banqueiros – a luta por salário, por melhores condições de trabalho e de vida, por moradias dignas e pela reforma agrária, são parte integrante da luta contra a desumanização.

Porém, estas lutas têm seus limites. É necessário ir além. É preciso cotidianamente fazer a ponte entre essas lutas imediatas e a luta pelo fim desse sistema desumanizador. A luta pela construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores. A luta por um mundo onde homens e mulheres sejam realmente livres.

A luta por uma sociedade onde o homem ser lobo do homem faça parte da pré-história humana. A luta contra a barbárie, a luta pelo socialismo, coloca-se mais que nunca na ordem do dia. Impõe-se pela realidade.

Sim, a vida é bela. Mas para que a geração futura possa livrá-la de todo o mal para poder desfrutá-la plenamente, depende de poder sobreviver. Depende de ter garantido o mais básico dos direitos: o direito à vida.

Às 12 vítimas um compromisso: seguiremos lutando por esse mundo sem explorados nem exploradores. Seguiremos lutando para que a expressão: lugar de criança é na escola, seja sinônimo de um espaço livre de opressão, livre de violência. Um espaço onde a infância possa ser exercida plenamente e o melhor do ser humano possa florescer.

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