A Reforma da Previdência proposta pelo governo Fátima vem causando profundo descontentamento dentre o funcionalismo público estadual, como não poderia ser diferente. Apesar da progressividade nas alíquotas, proposta que poderia ser melhor formulada e aproveitada, o projeto onera de forma excessiva servidoras e servidores aposentados, que já passaram toda uma vida contribuindo e terão cortes de 11% ou mais nos salários de maneira repentina com a aprovação da medida. A taxa de isenção de R$2.500,00 não abarca quase nenhum servidor inativo em fim de carreira. Além disso, propõe-se um aumento no tempo de idade e contribuição de homens e mulheres para o usufruto integral do direito à aposentadoria. É importante lembrar que o funcionalismo estadual em geral não aufere aumentos há mais de uma década e ainda possui folhas salariais atrasadas, de maneira que se torna impossível não avaliar como uma injustiça que a conta do déficit da previdência estadual recaia essencialmente sobre trabalhadores e trabalhadoras que já contribuíram durante toda uma geração.
É fato que o Estado conta com uma
parcela maior de funcionalismo inativo do que ativo. São cerca de 55 milservidores(as) inativos(as), contra cerca de 52 mil que se encontram na ativa. Este
dado não justifica per si uma reforma da previdência que onere servidoras e
servidores aposentados, mas apenas sinaliza uma responsabilidade política dos
últimos governos. Todavia, não adianta atribuir toda a responsabilidade às leis
orçamentárias: no caso da saúde, nos últimos 10 anos, só houve um concurso público
e um processo seletivo para a área, enquanto o governo Robinson e também o governo
Fátima foram responsáveis por mais de dez ameaças de fechamentos de hospitais
regionais, fechando efetivamente quatro unidades - Hospital da Polícia,
Hospital da Mulher, Hospital de Acari e Hospital de João Câmara - e levando à
municipalização o Hospital de Angicos. Não podemos deixar de esquecer os
sucessivos cortes no orçamento da saúde, ao mesmo tempo em que procuradores e
policiais auferiram aumentos salariais e as demais categorias seguem sofrendo
com a estagnação.
A verdade é que previdência
estadual, saúde pública e os demais investimentos sociais nunca foram
prioridade, nem quando não havia a tempestuosa e para tudo invocada crise
econômica e orçamentária. Esta crise pode ter seu início demarcado em 2016 com
a aprovação da Emenda constitucional nº 95 do Teto de Gastos Público, que
estagnou os investimentos sociais e com o serviço público pelos próximos 20
anos. É preciso se voltar a um estudo mais detalhado sobre a legislação
previdenciária estadual e a política adotada nesta seara para compreender mais
profundamente as causas ocultas do rombo na previdência estadual.
Em 2014, Rosalba, com apoio do
futuro governador e então líder da bancada governista na Assembleia Legislativa
Robinson Faria, aprovou a Lei Complementar nº 526, que autorizava os saques no fundo
previdenciário. A justificativa da época, de que tal medida seria necessária
para pagar as folhas salariais, é insustentável a médio prazo, visto que desabona
a contribuição geracional da categoria inativa do funcionalismo para sanar algo
que não é mais do que a obrigação inexorável de qualquer empregador, público ou
privado: o pagamento de salários de seu pessoal. Rosalba sacou quase 235 milhões de reais do Fundo Previdenciário que apenas acabava de ser constituído, enquanto Robinson, apesar de sucessivas vezes impedido pela Justiça, fez o rombo aumentar para quase 1 bilhão de reais. Não é por acaso que a medida foi questionada pelo
Conselho Estadual da Previdência, pelo Ministério Público, e pelo Tribunal de
Contas do Estado. A medida não se justificou nem do ponto de vista político: de
2014 para cá, quantas vezes foram atrasados os salários, quantas folhas não
ficaram em aberto e foram deixadas para trás até 2020?
O jogo político de culpar o antecessor perde
seu fundamento quando se observa que todos os governos tomaram medidas da mesma
índole e contribuíram para o cenário que enfrentamos hoje. Não é questão de bom
ou mau governo: mas de uma política de Estado continuada que nos levou para uma
situação pretensamente inescapável, onde a reforma seria imperiosa, e teria que
se dar nos termos propostos pelo Governo Estadual. A própria governadora outrora afirmou que seria injusto que os servidores arcassem sozinhos com o rombo, porém sua proposta onera essencialmente os aposentados e aposentadas, que tem menor responsabilidade. A chantagem do governo federal,
apesar de real, é apenas uma justificativa a mais para sustentar essa tese, que
pode ser rebatida no que tange às soluções possíveis que são
propositalmente ocultadas.
Primeiramente, em um contexto que
existem mais inativos do que ativos é óbvio que um regime de capitalização é
insustentável. Todavia, apontar esta obviedade como se fosse prova cabal da
necessidade de uma reforma da previdência nos termos apresentados pelo governo
Fátima não passa de um simulacro. Primeiramente, o Estado possui a responsabilidade de reaver o valor bilionário sacado do Fundo Previdenciário até 2040, responsabilidade que também inclui o governo Fátima Bezerra. Se querem um
regime de capitalização, é imperiosa a necessidade de realizar uma série de
concursos públicos que sane o déficit de pessoal no funcionalismo público
estadual: não existe outra maneira de resolver esta contradição estrutural.
Enquanto isto não puder ser resolvido,
trata-se de seguir custeando o déficit com dotações orçamentárias específicas,
tal como autoriza o artigo 16, VII, da LCE nº 308/2005 – que não está lá por
acaso. Repudiamos a visão de que tais valores poderiam estar sendo usados para
finalidades mais justas, como repercute a Tribuna do Norte em editorial. Pagar a aposentadoria
de servidores que passaram uma vida inteira contribuindo com o IPERN é uma
questão imperiosa de justiça administrativa, e possui efeitos econômicos
progressivos: injeção de dinheiro no mercado consumidor, aquecimento do comércio;
aumento reflexo da arrecadação estadual através de impostos como o ICMS e
outros tributos. Ainda poderia ser estudada a legalidade de uma proposição que alterasse fundamentalmente o artigo 6º, § 1º, que exclui os comissionados de contribuir com o IPERN - para pensar em uma maneira de que os comissionados, beneficiários dos governos de plantão, pudessem excepcionalmente contribuir com a previdência estadual.
Se hoje não é possível promover
concursos públicos expressivos, trata-se de uma questão tanto política (que
deve ser levantada pondo em cheque a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria lei do teto de
gastos públicos), quanto de uma questão de elevação da arrecadação. A
primeira não depende do governo estadual, mas a segunda depende. É nesse sentido
que vem as propostas alternativas do Fórum dos Servidores Públicos Estaduais do
RN. Dentre uma série de propostas exequíveis e imediatamente aplicáveis, vamos
destacar apenas três que seriam suficientes para resolver a crise
previdenciária no Rio Grande do Norte:
- O débito dos grandes empresários que atuam em solo potiguar soma mais de 7 bilhões de reais. Cobrar apenas os 100 maiores devedores já arrecadaria mais de 2,8 bilhões emrecursos extras para o tesouro estadual, já cobriria o déficit da previdência estadual do Rio Grande do Norte. Importante relembrar que Fátima já havia se comprometido em cobrar tais dívidas, mas ainda não cumpriu sua promessa de reaver o “dinheiro do povo”;
- Suspender o Pagamento do Arena das Dunas, obra faraônica superfaturada, como até já demonstrou o julgado do Tribunal de Contas da União, e que o Estado possui condão jurídico de assumir, uma vez que está nas mãos da OAS, uma empresa em recuperação judicial e sob risco real de falência. O pagamento do Arena das Dunas compromete cerca de um bilhão de reais em recursos públicos até 2020, e a suspensão por tempo indeterminado do pagamento das mensalidades liberaria valor suficiente para remediar o rombo previdenciário mensalmente;
- Suspender e auditar o pagamento da dívida pública estadual poderia liberar recursos na ordem de 2 bilhões e meio de reais, mesmo que de maneira temporária, e é medida autorizada constitucionalmente;
Para superar a crise
previdenciária no Rio Grande do Norte, sem dúvidas são necessárias medidas
duras. Mas por que medidas duras contra os aposentados, e não contra os grandes
empresários caloteiros do Estado? No fim das contas, o debate é mais político
do que técnico, como os defensores da reforma e do governo teimam em insistir.
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