terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

O que não querem te contar sobre a Reforma da Previdência de Fátima Bezerra

O rombo no IPERN é um fato, mas jogar as contas dessa crise nas costas dos aposentados(as) não é a única opção. Existem outras alternativas que são escondidas do debate público. Saiba aqui o que não querem te contar sobre a reforma da previdência: as causas e soluções ocultas da crise previdenciária estadual.


     A Reforma da Previdência proposta pelo governo Fátima vem causando profundo descontentamento dentre o funcionalismo público estadual, como não poderia ser diferente. Apesar da progressividade nas alíquotas, proposta que poderia ser melhor formulada e aproveitada, o projeto onera de forma excessiva servidoras e servidores aposentados, que já passaram toda uma vida contribuindo e terão cortes de 11% ou mais nos salários de maneira repentina com a aprovação da medida. A taxa de isenção de R$2.500,00 não abarca quase nenhum servidor inativo em fim de carreira. Além disso, propõe-se um aumento no tempo de idade e contribuição de homens e mulheres para o usufruto integral do direito à aposentadoria. É importante lembrar que o funcionalismo estadual em geral não aufere aumentos há mais de uma década e ainda possui folhas salariais atrasadas, de maneira que se torna impossível não avaliar como uma injustiça que a conta do déficit da previdência estadual recaia essencialmente sobre trabalhadores e trabalhadoras que já contribuíram durante toda uma geração.

           É fato que o Estado conta com uma parcela maior de funcionalismo inativo do que ativo. São cerca de 55 milservidores(as) inativos(as), contra cerca de 52 mil que se encontram na ativa. Este dado não justifica per si uma reforma da previdência que onere servidoras e servidores aposentados, mas apenas sinaliza uma responsabilidade política dos últimos governos. Todavia, não adianta atribuir toda a responsabilidade às leis orçamentárias: no caso da saúde, nos últimos 10 anos, só houve um concurso público e um processo seletivo para a área, enquanto o governo Robinson e também o governo Fátima foram responsáveis por mais de dez ameaças de fechamentos de hospitais regionais, fechando efetivamente quatro unidades - Hospital da Polícia, Hospital da Mulher, Hospital de Acari e Hospital de João Câmara - e levando à municipalização o Hospital de Angicos. Não podemos deixar de esquecer os sucessivos cortes no orçamento da saúde, ao mesmo tempo em que procuradores e policiais auferiram aumentos salariais e as demais categorias seguem sofrendo com a estagnação.

        A verdade é que previdência estadual, saúde pública e os demais investimentos sociais nunca foram prioridade, nem quando não havia a tempestuosa e para tudo invocada crise econômica e orçamentária. Esta crise pode ter seu início demarcado em 2016 com a aprovação da Emenda constitucional nº 95 do Teto de Gastos Público, que estagnou os investimentos sociais e com o serviço público pelos próximos 20 anos. É preciso se voltar a um estudo mais detalhado sobre a legislação previdenciária estadual e a política adotada nesta seara para compreender mais profundamente as causas ocultas do rombo na previdência estadual.

        Em 2014, Rosalba, com apoio do futuro governador e então líder da bancada governista na Assembleia Legislativa Robinson Faria, aprovou a Lei Complementar nº 526, que autorizava os saques no fundo previdenciário. A justificativa da época, de que tal medida seria necessária para pagar as folhas salariais, é insustentável a médio prazo, visto que desabona a contribuição geracional da categoria inativa do funcionalismo para sanar algo que não é mais do que a obrigação inexorável de qualquer empregador, público ou privado: o pagamento de salários de seu pessoal. Rosalba sacou quase 235 milhões de reais do Fundo Previdenciário que apenas acabava de ser constituído, enquanto Robinson, apesar de sucessivas vezes impedido pela Justiça, fez o rombo aumentar para quase 1 bilhão de reais. Não é por acaso que a medida foi questionada pelo Conselho Estadual da Previdência, pelo Ministério Público, e pelo Tribunal de Contas do Estado. A medida não se justificou nem do ponto de vista político: de 2014 para cá, quantas vezes foram atrasados os salários, quantas folhas não ficaram em aberto e foram deixadas para trás até 2020?

        O jogo político de culpar o antecessor perde seu fundamento quando se observa que todos os governos tomaram medidas da mesma índole e contribuíram para o cenário que enfrentamos hoje. Não é questão de bom ou mau governo: mas de uma política de Estado continuada que nos levou para uma situação pretensamente inescapável, onde a reforma seria imperiosa, e teria que se dar nos termos propostos pelo Governo Estadual. A própria governadora outrora afirmou que seria injusto que os servidores arcassem sozinhos com o rombo, porém sua proposta onera essencialmente os aposentados e aposentadas, que tem menor responsabilidade. A chantagem do governo federal, apesar de real, é apenas uma justificativa a mais para sustentar essa tese, que pode ser rebatida no que tange às soluções possíveis que são propositalmente ocultadas.

         Primeiramente, em um contexto que existem mais inativos do que ativos é óbvio que um regime de capitalização é insustentável. Todavia, apontar esta obviedade como se fosse prova cabal da necessidade de uma reforma da previdência nos termos apresentados pelo governo Fátima não passa de um simulacro. Primeiramente, o Estado possui a responsabilidade de reaver o valor bilionário sacado do Fundo Previdenciário até 2040, responsabilidade que também inclui o governo Fátima Bezerra. Se querem um regime de capitalização, é imperiosa a necessidade de realizar uma série de concursos públicos que sane o déficit de pessoal no funcionalismo público estadual: não existe outra maneira de resolver esta contradição estrutural.

         Enquanto isto não puder ser resolvido, trata-se de seguir custeando o déficit com dotações orçamentárias específicas, tal como autoriza o artigo 16, VII, da LCE nº 308/2005 – que não está lá por acaso. Repudiamos a visão de que tais valores poderiam estar sendo usados para finalidades mais justas, como repercute a Tribuna do Norte em editorial. Pagar a aposentadoria de servidores que passaram uma vida inteira contribuindo com o IPERN é uma questão imperiosa de justiça administrativa, e possui efeitos econômicos progressivos: injeção de dinheiro no mercado consumidor, aquecimento do comércio; aumento reflexo da arrecadação estadual através de impostos como o ICMS e outros tributos. Ainda poderia ser estudada a legalidade de uma proposição que alterasse fundamentalmente o artigo 6º, § 1º, que exclui os comissionados de contribuir com o IPERN - para pensar em uma maneira de que os comissionados, beneficiários dos governos de plantão, pudessem excepcionalmente contribuir com a previdência estadual.

           Se hoje não é possível promover concursos públicos expressivos, trata-se de uma questão tanto política (que deve ser levantada pondo em cheque a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria lei do teto de gastos públicos), quanto de uma questão de elevação da arrecadação. A primeira não depende do governo estadual, mas a segunda depende. É nesse sentido que vem as propostas alternativas do Fórum dos Servidores Públicos Estaduais do RN. Dentre uma série de propostas exequíveis e imediatamente aplicáveis, vamos destacar apenas três que seriam suficientes para resolver a crise previdenciária no Rio Grande do Norte:

  1. O débito dos grandes empresários que atuam em solo potiguar soma mais de 7 bilhões de reais. Cobrar apenas os 100 maiores devedores já arrecadaria mais de 2,8 bilhões emrecursos extras para o tesouro estadual, já cobriria o déficit da previdência estadual do Rio Grande do Norte. Importante relembrar que Fátima já havia se comprometido em cobrar tais dívidas, mas ainda não cumpriu sua promessa de reaver o “dinheiro do povo”;
  2. Suspender o Pagamento do Arena das Dunas, obra faraônica superfaturada, como até já demonstrou o julgado do Tribunal de Contas da União, e que o Estado possui condão jurídico de assumir, uma vez que está nas mãos da OAS, uma empresa em recuperação judicial e sob risco real de falência. O pagamento do Arena das Dunas compromete cerca de um bilhão de reais em recursos públicos até 2020, e a suspensão por tempo indeterminado do pagamento das mensalidades liberaria valor suficiente para remediar o rombo previdenciário mensalmente;
  3. Suspender e auditar o pagamento da dívida pública estadual poderia liberar recursos na ordem de 2 bilhões e meio de reais, mesmo que de maneira temporária, e é medida autorizada constitucionalmente;

          Para superar a crise previdenciária no Rio Grande do Norte, sem dúvidas são necessárias medidas duras. Mas por que medidas duras contra os aposentados, e não contra os grandes empresários caloteiros do Estado? No fim das contas, o debate é mais político do que técnico, como os defensores da reforma e do governo teimam em insistir.

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