segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Crônica

Mistério
João Paulo da Silva*
É noite. Dois velhos operários conversam num ponto de ônibus. Ainda lembram os estranhos fatos do final dos anos 80. O desaparecimento de um sindicalista. Barba preta, voz rouca, sem o mindinho da mão esquerda. Um mistério.
– Lembra a última vez que ele deu as caras?!
– Lembro. 1989. Também em 94, eu acho. Não tenho certeza. Faz tempo.
– Quase vinte anos. De lá pra cá, nunca mais a gente teve notícia dele.
– É. Se escafedeu. – Lembra o que ele defendia na época? A reforma agrária, por exemplo.
– Claro! Ele dizia: “Nós não vamos fazer reforma agrária, companheiros, nas terras devolutas que querem nos dar na beira das estradas. Nós vamos fazer reforma agrária é na terra dos latifundiários!”.
– Dava gosto ouvir!
– Lembra quando ele falava de não pagar a dívida externa? Romper com o FMI!
– Se lembro! Nada de dinheiro do povo pros banqueiros!
– E nas eleições?! “Trabalhador vota em trabalhador”. Que lema!
– Ali parecia ser um dos nossos. E aquela que ele soltou sobre os patrões terem lucros do século 20 e pagarem salários do século 19?! Que tirada, hein!
– Outros tempos aqueles.
– Tinha também a questão de ser contra as privatizações! E de fazer valer o salário mínimo da constituição!
– Nem me fale! Aquilo sim era política de valorização.
– Lembro dele surgindo nas greves do ABC.
– Por onde será que ele anda hoje, hein?
– Dizem que ele fugiu, morreu, rasgou a própria história. Sei lá.
– Logo ele?!
– Tanto trabalhador confiou no sujeito e ele sumiu assim. E ainda deixou o tal do Luiz Inácio governando, que faz justamente o contrário do que o outro defendia.
– Eu tava pensando aqui: será que esse daí e o outro não são a mesma pessoa? Tô achando muito esquisito esse sumiço.
– Ora, o que é isso?! Seria uma sacanagem com os trabalhadores. Depois de ter confiado numa história de luta a vida inteira, descobrir que ele e o Luiz Inácio são um só seria uma grande decepção. Não, não. Acho que não. Ele deve ter sido raptado por extraterrestres ainda em 89.
– Mas digamos que existisse a possibilidade do Luiz Inácio e ele serem a mesma pessoa.
– Bom, dessa forma, estaríamos diante do maior caso de falsidade ideológica da história desse País.


(*) É jornalista.

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