Sob pressão, Uniban recua e desiste de expulsar Geyse
Luciana Candido, do Opinião Socialista

No fim da tarde desta segunda, 9 de novembro, centenas de pessoas se reuniram em frente ao campus. Eram representantes de entidades sindicais e estudantis, partidos, ONGs, trabalhadores e estudantes que foram até lá para prestar solidariedade e, principalmente, protestar contra as atitudes grotescas dos alunos e da própria universidade.
Durante o ato, os manifestantes receberam a notícia de que a Uniban havia recuado de sua decisão de expulsar a vítima. O anúncio, no entanto, não foi suficiente para acabar com a manifestação. O fato já estava consumado e a Uniban já tinha legitimado o machismo e a selvageria protagonizados por seus alunos. Nada apaga isso. Dentro do campus, alguns alunos defendiam a instituição. Separados dos manifestantes por uma grade, vaiavam as falas no carro de som e gritavam “Fora! Fora!”.
A imprensa compareceu em peso. A apresentadora Sabrina Sato, do programa Pânico, usava um microvestido rosa, em alusão ao de Geyse. Os alunos machistas da Uniban, não a atacaram da mesma forma que à Geyse, mas a cercaram e gritaram “Fica! Fica!”. Natural, para quem considera a mulher um pedaço de carne a ser consumido.
O recuo
A nota em que a Uniban revê a expulsão de Geyse é direta: “O reitor da Universidade Bandeirante – Uniban Brasil, de acordo com o artigo 17, inciso IX e XI, de seu Regimento Interno, revoga a decisão do Conselho Universitário (CONSU) proferida no último dia 6 sobre o episódio do dia 22 de outubro, em seu campus em São Bernardo do Campo. Com isso, o reitor dará melhor encaminhamento à decisão”. Ao contrário da nota de expulsão.
“A educação se faz com atitude e não com complacência” é o título da nota inusitada, que diz que Geyse teve uma atitude provocativa. A Uniban, que está sendo chamada de “Unitaleban” amplamente na internet e entre os movimentos sociais, justificou: “[a atitude provocativa] buscou chamar atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa ação coletiva de defesa do ambiente escolar”.
Perplexidade
Poucos fatos geram tanta unidade como gerou o caso Geyse. Não fosse por uma minoria de alunos que se sentiram maculados pela repercussão, a posição de rechaço a esta violência teria sido unânime.
Perplexidade talvez seja a melhor palavra para classificar o fato de setores tão diferentes terem se manifestado a favor de Geyse. Houve, é claro, um oportunismo da imprensa, que a levou a programas sensacionalistas bizarros que preenchem (ou esvaziam) as tardes semanais. Mas até a grande imprensa foi obrigada a reconhecer o absurdo retorno à Idade Média promovido pela Uniban.
As organizações feministas, evidentemente, foram as primeiras a se manifestar. A Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e a Assembleia Nacional de Estudantes Livre (Anel) divulgaram uma nota conjunta em que afirmam que “ao invés de questionar a vestimenta da estudante, os estudantes deveriam questionar a mercantilização do corpo da mulher, e ao invés de culpabilizar as mulheres pelas roupas que usam, devem-se questionar os valores impostos na nossa sociedade que levam a manifestações animalizadas”.
Articulistas se manifestaram rapidamente, expressando repulsa, antes mesmo da expulsão. Em artigo intitulado “A culpada é a vítima”, publicado no Observatório da Imprensa, a jornalista Ligia Martins de Almeida relembrou o assassinato de Ângela Diniz por Doca Street, quando ela foi responsabilizada pela própria morte. “Quando parecia que as mulheres vítimas de violência não seriam mais tratadas como culpadas – como ocorreu quando Doca Street matou a socialite Ângela Diniz – acontece o caso de Geisy Arruda, a estudante da Uniban, em São Paulo”, diz Ligia.
O renomado psicanalista Contardo Calligaris também criticou duramente a atitude dos alunos. Em seu blog, pede desculpas às feministas. “Ainda recentemente, pensei (e disse, numa entrevista) que, ao meu ver, o feminismo tinha chegado ao fim de sua tarefa histórica. Em particular, eu acreditava que, depois de 40 anos de luta feminista, ao menos um objetivo tivesse sido atingido: o reconhecimento pelos homens de que as mulheres (também) desejam. Pois é, os fatos provam que eu estava errado”.
A situação, de tão inverossímil, também provocou protestos bem humorados, como o novo apelido da instituição – Unitaleban – e as fotos de burkas que circulam pela internet como o novo uniforme da Uniban. Também não faltam críticas ao responsável de marketing da universidade, visto que a decisão, além de reacionária, foi um tiro no próprio pé. Até o Ministério da Educação e Cultura (MEC) cobrou explicações da universidade. O Ministério Público Federal instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias da expulsão.
Que ambiente estavam defendendo?
Que houve uma reação coletiva, como afirma a nota da Uniban, não há dúvidas. Mas não foi, num primeiro momento, de defesa do ambiente escolar. Foi uma reação violenta a um comportamento: a escolha da jovem por uma determinada roupa. Desta reação, encabeçada pelos homens, participaram também, tristemente, mulheres. Essas últimas deram o sinal verde para que, amanhã ou depois, estes mesmos homens as ofendam e agridam por qualquer motivo.
Num segundo momento, após a repercussão, houve sim uma defesa coletiva da instituição por parte dos alunos. Eles argumentam que a imagem da universidade está sendo manchada por Geyse. Porém só quem pode ter manchado a imagem da universidade são os próprios alunos animalizados, que chegaram a escalar as paredes para ver a moça pela janela da sala. Isso está registrado em vídeos amplamente divulgados.
Estes alunos envergonham a juventude brasileira que, esperamos que, em sua maioria, não concorde com tal barbaridade. Não representam a opinião do conjunto da juventude felizmente. No entanto, há de se pensar até quando isso vai durar. O retrocesso que houve no terreno moral nos últimos dez ou quinze anos é algo a ser estudando. Entre os argumentos pró-Uniban, prevaleceu o individualismo, a vontade egoísta de pegar seu diploma e ir ao mercado de trabalho mesmo que passando por cima de qualquer senso de humanidade.
Quanto à Uniban, esta foi a prova mais concreta da decadência da educação. Longe de uma instituição de ensino de qualidade, que privilegie a formação. Ao contrário do que afirmou na nota paga de domingo, a instituição não tem nenhum “compromisso com a responsabilidade social e a promoção dos valores que regem uma instituição de ensino superior”, a menos que os valores aqui referidos sejam o preconceito, a discriminação, a violência e a violação de direitos humanos.
O único compromisso da Uniban é com o lucro. Universidade só leva no nome, quando não passa de um supermercado de ensino, de uma fábrica de diplomas. É impensável que uma instituição de ensino verdadeiramente preocupada com a educação pudesse concordar e respaldar tais atitudes de seus alunos – no caso da Uniban, clientes.
A propósito, o advogado da Uniban, Décio Lencioni Machado, que responsabilizou Geisy pela sua expulsão, preside a Comissão de Legislação e Normas do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. Ele também é conselheiro da Câmara de Educação Superior. Isso mostra a verdadeira relação do Estado com a educação.
Este é o resultado de anos de neoliberalismo, de privatização do ensino, de Fies e ProUnis que disseminam o ensino privado, longe de facilitar o acesso à universidade. E de um modelo de educação voltada para inculcar nas cabeças de seus clientes o que há de pior, ideologicamente, na sociedade. Tudo em nome de um sistema que transforma tudo e todos em simples mercadorias.
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